quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Cravos, lança, coroa de espinhos… de nosso senhor Jesus Cristo...

Cravos, lança, coroa de espinhos…. Onde se encontram essas preciosas lembranças da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo?
Todas as relíquias de Jesus Cristo, mesmo o mais simples objetos, impressionam e comovem a alma cristã, infundem profundo respeito e, ao mesmo tempo causam intensa atração. A sede de divino, inerente a todo homem, sente-se em algo atendida, ao contemplar uma delas.
Dessas inapreciáveis relíquias, o Santo Sudário de Turim é talvez a mais conhecida, em razão das reiteradas tentativas de negar sua autenticidade, todas, aliás frustradas por rigorosos testes científicos. Tudo isso foi noticiado pela grande imprensa, já de conhecimento público.
As provas científicas tem, é claro, seu valor. Mas o homem de coração reto, ao olhar para o Santo Sudário, encontra uma prova incalculavelmente mais valiosa de sua autenticidade. Qual pintor seria capaz de imaginar, de “criar” aquela fisionomia? Tanta grandeza e serenidade naquele rosto, tanto perdão e tanta censura naqueles olhos fechados, não é dado a homem algum inventar. Olha-se e crê-se! É a face de Jesus!
Escada Santa
Entretanto, muito menos conhecidas são as preciosas relíquias do Divino Mestre que um peregrino pode encontrar em Roma. Nesse sentido, é a Cidade Eterna um verdadeiro escrínio.
A pequena distância da magnífica Basílica de São João de Latrão, poderá o fiel devotamente subir de joelhos os degraus da Escada Santa, levada de Jerusalém para Roma, Trata-se da escada do Palácio de Pôncio Pilatos, pela qual subiu Jesus quando foi apresentado à turba ululante depois da Flagelação. – o “Ecce Homo”. Inclusive, estão assinalados três pontos onde se vê a marca do divino sangue sobre o mármore branco dos degraus, agora revestidos de madeira.
Como não se comover imaginando o Homem-Deus, todo chagada, subindo por ela? Ao longo dos séculos, continuamente, gerações e gerações de enlevados fiéis tem subido de joelhos esses 28 degraus, pedindo perdão por
seus próprios pecados, ou oferecendo um ato de reparação ao Divino Redentor.
Igreja da “Santa Cruz de Jerusalém”

Saindo da Scala Santa, pode o peregrino dirigir-se a uma igreja próxima, a da Santa Cruz de Jerusalém, mandada construir em Roma pela mãe do Imperador Constantino, Santa Helena, para abrigar as relíquias da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, trazidas por ela da Terra Santa.
Em uma pequena capela, nos fundos da igreja, estão expostas essas preciosas relíquias. São elas:
Uma parte da Santa Cruz
Dirigiu-se Santa Helena à Terra Santa com o piedoso intuito de encontrar a Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Foi informada de que provavelmente ela estaria no local do Santo Sepulcro, pois os romanos costumavam enterrar junto ao corpo do condenado os instrumentos utilizados no suplício.
Para impedir a devoção dos primeiros cristãos, o Santo Sepulcro fora coberto de entulho, sendo construído ao lado um templo para Vênus, e uma está tua para Júpiter!
Por ordem de Santa Helena, esse templo foi destruído e a estátua feita em pedaços. Em seguida, iniciaram-se as escavações. No dia 3 de maio de 326, foram encontradas no local três cruzes. Tudo indicava serem a de Nosso Redentor e as dos dois ladrões. Como, porém, saber qual a de Jesus?
Nessa perplexidade, ocorreu uma solução ao Bispo Macário: mandou tocar uma delas numa mulher muito doente, certo de que a Providência se manifestaria para revelar qual a verdadeira Santa Cruz. Ao contato com a primeira e a segunda, nada ocorreu. Quando, porém, lhe foi tocada a terceira, a mulher imediatamente recobrou por completo a saúde. Não havia mais dúvida.
Jubilosa, a Imperatriz fez erigir no local a grandiosa Basílica da Santa Cruz, também chamada Igreja do Santo Sepulcro ou da Ressurreição, onde ficou guardada a principal parte da Cruz.
Outra parte foi enviada para Constantinopla, onde Constantino a recebeu com grande devoção. Tomado de respeito por essa relíquia, o monarca proibiu desde então o suplício da crucifixão em todo o Império Romano.
A mãe do Imperador levou para Roma o restante. Um importante fragmento é venerado até hoje na mencionada “Igreja da Santa Cruz de Jerusalém”, outro na Basílica de São Pedro.
Um Cravo
Foram encontrados no mesmo local os cravos usados para pregar na Cruz o Divino Redentor. O Imperador Constantino incrustou um desses cravos em rico diadema de pérolas, usado por ele em ocasiões solenes. Em 550, os outros foram levados para Roma, pelo futuro Papa São Gregório Magno. Um deles é venerado no escrínio da “Igreja da Santa Cruz de Jerusalém”.
A tabuleta INRJ
Nesse mesmo escrínio o peregrino poderá contemplar também a tabuleta com a inscrição “Jesus Nazareno Rei dos Judeus” – em hebraico, grego e latim – mandada fixar por Pilatos na Cruz do Salvador.
Um Espinho da Coroa

Ao contrário do que se julga, comumente, a Coroa de Espinhos de Nosso Senhor não tinha a forma de um diadema, mas a de um barrete, com 21 cm de diâmetro, cobrindo-Lhe toda a cabeça. É feita de ramos de longos espinhos trançados. Depois de colocá-la na adorável fronte de Jesus, os algozes golpearam-na de modo a provocar grandes ferimentos, como pode ser atestado pelas manchas de sangue no Santo Sudário.
A Coroa permaneceu na Basílica do Monte Sião, em Jerusalém, até 1053, quando foi levada para Constantinopla. Em 1238, o Imperador Balduíno II entregou-a – juntamente com a ponta da lança de Longinus – como penhor de
empréstimo contraído com bancos de Veneza. De comum acordo com esse Imperador, São Luís IX, Rei de França, resgatou a referida dívida e recebeuu em seu país as duas preciosas relíquias, com todas as demonstrações de veneração. O próprio rei, a rainha-mãe, inúmeros prelados e príncipes foram encontrá-los perto da cidade de Sens. São Luís e seu irmão, Roberto d’Artois, descalços, as levaram até a Catedral de Santo Estevão, nessa cidade.
Desejoso de acolher em lugar digno tão inestimáveis relíquias, o Rei santo fez construir em Paris uma verdadeira jóia da
arquitetura gótica: a Sainte Chapelle (Capela Santa), uma maravilhosa igreja de vitrais, que extasia todos quantos tem a ventura de conhecê-la.
Atualmente, a Coroa de Espinhos está nos Tesouros da Catedral de Notre Dame de Paris.
Em Roma encontra-se apenas um desses espinhos.
O dedo de São Tomé
Curiosamente, entre essas relíquias, no mesmo escrínio, está também o … dedo de São Tomé, o Apóstolo incrédulo, que tocou a chaga do lado do Divino Redentor, após a Ressurreição.
A Coluna da Flagelação
Do portal de Santa Maria Maior, já se avista a Igreja de Santa Praxedes. Singela na aparência, o que conterá ela?
Por um corredor se chega a uma pequena capela, Aí, em uma coluna bem iluminada, está exposta a Coluna da Flagelação. É impressionante1 Sua simplicidade é eloqüente. Sem ornato algum, comove profundamente.
Tem apenas 50 cm de altura, 32 cm de largura na base e 20 cm no topo, onde há uma argola de ferro na qual eram atados os supliciados. É feita de mármore branco com grossos grãos pretos.
No Santo Sudário de Turim, contam-se as marcas de mais de cem golpes de flagelo recebidos por Nosso Senhor.
A Coluna da Flagelação foi levada para Roma em 1213, no tempo do Papa Inocêncio III.
A haste da Santa Lança
Descoberta no Santo Sepulcro, a Lança com a qual o centurião Longinus perfurou o lado do Senhor dói levada de Jerusalém para Antioquia. Na iminência da invasão moura, mãos piedosas a enterraram atrás do altar da Igreja de São Pedro. Durante a Primeira Cruzada, em 1907, os cristãos encontravam-se sitiados nessa cidade, em perigosa situação.
Então, um mone que teve revelação sobrenatural, indicou o,local onde ela estava enterrada. Sua descoberta despertou o entusiasmo e deu novas energias aos cruzados, que derrotaram em seguida os sarracenos.
Já vimos, acima, como a ponta da Sagrada Lança foi levada para Paris e depositada, junto com a Coroa de Espinhos, na Sainte Chapelle. Durante a Revolução Francesa, infelizmente essa preciosa relíquia desapareceu.
A haste permaneceu em Constantinopla, mesmo depois da tomada da cidade pelos turcos. E em 1492, o sultão Bajazet enviou-a ao Papa Inocêncio VIII, esclarecendo que a ponta se encontrava em poder do rei da França.
Atualmente essa haste é venerada na Basílica de São Pedro, ao lado de uma estátua de São Longinus, o centurião mártir.
A benfazeja proximidade do sobrenatural
A impressão da proximidade do sobrenatural, do amor de um Deus que se encarnou e sofreu o inimaginável para nos salvar, pervade e perfuma a alma do fiel que, contrito, contempla uma a uma as relíquias de nosso Divino Redentor.
Terminada essa “peregrinação” pelas relíquias de Jesus, nos resta na alma uma valiosa conclusão. Por vezes, assalta-nos a sensação de que Deus está distante, pouco acessível a nossos pedidos ou orações. Nada de mais falso e pernicioso para a vida espiritual! Deus está próximo de nós e ouve as nossas súplicas como se fossem as de um filho único, extremamente amado.

Luís e Zélia, os pais de Santa Teresinha



Luís e Zélia Martin - pais de Santa Teresinha de Lisieux
Luís e Zélia Martin - pais de Santa Teresinha de Lisieux
Luís Martin (1823-1894) e Zélia Guérin (1831-1877) foram declarados bem-aventurados em 19 de outubro de 2008. Não foram beatificados por serem os pais de Santa Teresinha, mas porque se empenharam totalmente em fazer a vontade de Deus em qualquer situação de suas vidas. Luís e Zélia, com suas vidas, nos ensinam que a santidade é caminho para a esposa, o marido, os filhos, os colegas de trabalho e para a sexualidade. O santo não é um super-homem, mas um homem verdadeiro.
Se tanto amamos Teresinha de Lisieux, se tanto nos encanta sua santidade, devemos dizer que ela é fruto de seus pais, um casal que vivia o amor de Deus tanto na alegria como nas tristezas. As muitas cartas deixadas por Zélia dão testemunho deste colocar-se inteiramente nas mãos de Deus.
«Eu amo loucamente as crianças e nasci para ter filhos», dizia Zélia. Mas, contraditoriamente, esse lar não era para existir. Aos 20 anos Luís esteve na Suíça para aprender o ofício de relojoeiro. Dirigiu-se ao Eremitério de São Bernardo, dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, querendo ser monge. O Prior foi direto: «Não conhece latim, nada de postulantado no Mosteiro». Luís retorna a Alençon e se dedica à oficina de conserto de relógios.
Já Zélia Guérin desejava ser admitida entre as Irmãs de São Vicente de Paulo, em Alençon. A Superiora não vê nela sinal se vocação. Decide-se então a aprender artes domésticas de bordados e confecções, abrindo pequeno negócio em Alençon e indo de casa em casa à procura de fregueses.
Luís vive ardente espiritualidade alimentada no seio das Conferências de São Vicente de Paulo, onde pôde se inserir no trabalho social e cristão. Sua mãe, preocupada com sua condição de celibatário, lhe comenta a respeito da jovem Zélia Guérin, jovem de face diáfana e de sorriso doce e misterioso. Os dois se encontram e meses depois se casam, em 13 de julho de 1858. Zélia está com 27 anos e inicia com Luís um amor sólido e durável, apesar da doença e da morte. O vigário de Alençon estranhou que o casal não tivesse filhos e eles explicaram que viviam um matrimônio como Maria e José, como dois irmãos. O padre repreendeu-os, dizendo que deveriam viver como casal e terem filhos. Fiéis ao conselho, entre 1860 e 1873 nascem nove filhos, dos quais quatro morrem pouco depois do nascimento: Helena, José, João Batista e Melânia Teresa.

Um lar feliz e santo

Constituíam um casal típico da pequena burguesia francesa do século XIX. Levam uma vida ordinária, é verdade, mas Deus ocupa um lugar especial em sua vida pessoal e comunitária. Diariamente freqüentam a Missa das 5:30h: Deus antes de tudo. A filha Celina escreveu, mais tarde: “Quando papai comungava ele permanecia em silêncio na volta para casa”. “Continuo a conversar com Nosso Senhor”, dizia. No meio das tristezas pela perda dos filhos, “tudo aceitamos na serenidade e no abandono à vontade de Deus”. Oração em família duas vezes ao dia, ao toque do Ângelus ao meio-dia e às 18h. Natal, Quaresma, Páscoa, os meses marianos de maio e outubro, o 15 de agosto ocupam um lugar central em sua vida, tocando profundamente suas filhas. Essa espiritualidade conjugal e familiar não os isolou dos outros, pelo contrário, reforçou sua atenção a todos, domésticas, conhecidos, vizinhos.
Sobreviveram cinco filhas, que ingressaram no convento: Maria, Paulina, Leônia, Celina e Teresa. Talvez o casal não seria lembrado se não fosse a caçulinha, a grande Santa Teresinha, morta aos 24 anos no Carmelo de Lisieux.
Foram apenas 19 anos de vida em comum cujos frutos ultrapassaram a existência terrena. Uma palavra-chave expressa esse amor: a unidade, unidade que edificou sua vida espiritual, familiar e social. Num tempo em que nós fragmentamos a vida, vivemos divididos, eles cimentaram sua existência numa unidade invencível e contagiante.
A casa dos Martin era casa de caridade. Luís recolhe um epiléptico na rua e cuida de assisti-lo. Não hesita em convidar à mesa os mendigos encontrados na rua. Visita os anciãos. Ensina às filhas a honrar o pobre e a tratá-lo como um igual. Teresa será a mais sensibilizada por esse exemplo. Podemos afirmar que a doutrina da “pequena via” que fez de Teresinha Doutora da Igreja nasce da santidade e do exemplo da vida de Luís e Zélia. Em seus escritos Santa Teresinha mais vezes dirá: “O bom Deus deu-me um pai e uma mãe mais dignos do Céu que da terra”.
Não era uma família triste. O “pequeno convento” não era uma prisão austera, mas um lar feliz. Um lar cristão com o amor entre os esposos, deles pelas filhas, entre as irmãs, uma unidade sensível. Ambiente sadio, brincadeiras, jogos, festas, passeios em família. O amor era verdadeiro. Um amor, como definiu Teresinha “onde se dá tudo e se dá a si mesmo”.
 Luís e Zélia não desejavam que suas filhas fossem religiosas, mas santas. O desejo de santidade que ali se vivia impregnava toda a vida familiar. A santidade se manifesta nas etapas vividas pelo casal, etapas tão semelhantes às de um casal atual: casamento tardio, trabalho, dupla jornada de Zélia entre a casa e a loja, ambos assumem a educação das filhas. Foram consumidos por doenças contemporâneas: o câncer de Zélia e a doença neuropsiquiátrica de Luís. Atravessam a guerra de 1870 entre França e Alemanha, as crises econômicas, o drama da morte de Zélia em 1877: sozinho, Luís deve criar e educar suas cinco filhinhas Maria, Paulina, Leônia, Celina e Teresa.

A Paixão de Luís e Zélia

Luís e Zélia vivem a Paixão, cada um a seu modo. Em dezembro de 1864 Zélia descobre um câncer impossível de ser operado, que não lhe oferece nenhuma chance de cura. Zélia aceita a morte com coragem heróica, trabalhando até véspera, a cada manhã participando da Missa. Sua força era a existência das cinco filhas. Em agosto de 1877 seus seios são amputados. Preocupa-se sobretudo por Leônia, meio doentinha. Carrega a cruz por 12 anos, até a morte aos 46 anos, em 28 de agosto de 1877. Luís sente-se anulado, o pânico toma conta da família.
A Paixão de Luís é de outra ordem. A partir de novembro de 1877 passa a residir em Lisieux e sucessivamente entrega todas as filhas a Deus: Paulina (1882), Maria (1886), Leônia (1899) e, enfim, sua “pequena rainha” Teresa (1888) e depois Celina (1894).
Sua saúde decai cada vez mais e necessita de hospitalização em Caen. Hoje diríamos num Hospital Psiquiátrico, mas em 1889 se dizia “asilo de loucos”. O venerável pai está agora misturado a 500 doentes. O homem estimado e respeitado é apenas um ser decadente. “Ele bebeu a mais humilhante de todas as taças”, escreveu Teresinha. Os médicos diagnosticaram arteriosclerose cerebral, com insuficiência renal. O lar dos Martin está disperso: três filhas são carmelitas. Não curado, Luís é devolvido ao lar e assistido noite e dia pela filha Celina. É como uma criança, continuamente necessitado de assistência.
Em 1888 Luís tinha oferecido um altar à catedral de São Pedro, sua paróquia. Teresinha comenta: “Papai ofereceu a Deus um Altar. Ele foi a vítima escolhida para ali ser imolado com o Cordeiro sem mácula”. Deus o chamou à eternidade em 29 de julho de 1894.
Relendo sua vida familiar à luz do Amor Misericordioso, em 1896, Teresinha relembra a entrada no Carmelo nos braços de “seu Rei” e nunca imaginaria que poucos dias após a tomada do hábito seu querido pai “deveria beber a mais amarga, a mais humilhante de todas as taças”. “Os três anos de martírio de Papai me parecem os mais amáveis, os mais frutuosos de toda a nossa vida. Eu não os trocaria por nada, por nenhum êxtase ou revelação este tesouro que deve provocar uma santa inveja nos Anjos de Corte Celeste”.
Pouco antes da doença, Luís escreveu às três filhas carmelitas: “Devo dizer-vos, minhas queridas filhas, que sou obrigado a agradecer e fazer-vos agradecer ao bom Deus, porque eu sinto que nossa família, apesar de tão humilde, tem a honra de ser privilegiada por nosso adorável Criador”.
É verdade que Deus cumulou de bênçãos e graças o lar de Luís e Zélia. É mais verdade, porém, que ambos abriram suas vidas ao dom de Deus, dele fazendo participar intensamente suas filhas

Boletim da Sala de Imprensa da Santa Sé
(tradução de Leonardo Meira - equipe CN Notícias)



Queridos irmãos e irmãs,

em uma recente Catequese, falei sobre Santa Catarina de Sena. Hoje, desejo apresentar-vos uma outra Santa, menos conhecida, que leva o mesmo nome: Santa Catarina de Bolonha, mulher de vasta cultura, mas muito humilde; dedicada à oração, mas sempre pronta a servir; generosa no sacrifício, mas cheia de alegria para acolher com Cristo a cruz.

Nasceu em Bolonha em 8 de setembro de 1413, primogênita de Benvenuta Mammolini e de Giovanni de' Vigri, patrício ferrarês rico e culto, Doutro em Leis e público Leitor em Pádua, onde desenvolvia atividade diplomática para Niccolò III d'Este, marquês de Ferrara. As notícias sobre a infância de Catarina são escassas e não todas seguras. Enquanto criança, vive em Bolonha, na casa dos avós; ali é educada pelos parentes, sobretudo pela mamãe, mulher de grande fé. Transfere-se com ela para Ferrara quanto tinha cerca de dez anos e entra para a corte de Niccolò III d'Este como dama de honra de Margherita, filha natural de Niccolò. O marquês está transformando Ferrara em uma esplêndida cidade, chamando artistas e letrados de vários Países. Promove a cultura e, ainda que conduza uma vida privada não exemplar, cuida muito do bem espiritual, da conduta moral e educação dos súditos.

Em Ferrara, Catarina não experimenta dos aspectos negativos que comportava frequentemente a vida de corte; goza da amizade de Margherita e torna-se sua confidente; enriquece a sua cultura: estuda música, pintura, dança; aprende a escrever poemas, composições literárias, tocar viola; torna-se especialista na arte da miniatura e da cópia; aperfeiçoa o estudo do latim. Na vida monástica futura valorizará muito o patrimônio artístico e cultural adquirido nesses anos. Aprende com facilidade, paixão e tenacidade; mostra grande prudência, singular modéstia, graça e gentileza no comportamento. Uma característica, no entanto, a distingue de modo absolutamente claro: o seu espírito constantemente voltado às coisas do Céu. Em 1427, com somente quatorze anos, também após alguns eventos familiares, Catarina decide deixar a corte, para unir-se a um grupo de jovens mulheres provenientes de famílias nobres que viviam em comum, consagrando-se a Deus. A mãe, com fé, consente, ainda que tivesse outros projetos para ela.

Não conhecemos o caminho espiritual de Catarina antes dessa primeira escolha. Falando em terceira pessoa, ela afirma que entrou no serviço de Deus "iluminada pela graça divina [...] com reta consciência e grande fervor", passa noite e dia em santa oração, comprometendo-se em conquistar todas as virtudes que via nos outros, "não por inveja, mas para mais agradar a Deus, em quem tinha posto o seu amor" (Le sette armi spirituali, VII, 8, Bologna 1998, p. 12). Notáveis são os seus progressos espirituais nesta nova fase da vida, mas grandes e terríveis são também as provações, os sofrimentos interiores, sobretudo as tentações do demônio. Atravessa uma profunda crise espiritual até o limiar do desespero (cf. ibid., VII, p. 12-29).  Vive na noite do espírito, percorrida também pela tentação da incredulidade com relação à Eucaristia. Após tanto padecer, o Senhor a consola: em uma visão, dá-lhe clara consciência da presença real eucarística, uma consciência tão luminosa que Catarina não consegue expressar com palavras (cf. ibid., VIII, 2, p. 42-46). No mesmo período, uma prova dolorosa se abate sobre a comunidade: surgem tensões entre quem deseja seguir a espiritualidade agostiniana e quem é mais orientado à espiritualidade franciscana.

Entre 1429 e 1430, a responsável pelo grupo, Lucia Mascheroni, decide fundar um mosteiro agostiniano. Catarina, ao contrário, escolhe ligar-se à regra de Santa Clara de Assis. É um dom da Providência, porque a comunidade habita nas redondezas da Igreja do Espírito Santo, anexa ao convento dos Frades Menos que aderiram ao movimento da Observância. Catarina e as companheiras podem, assim, participar regularmente das celebrações litúrgicas e receber uma adequada assistência espiritual. Têm também a alegria de escutar as pregações de São Bernardino de Sena (cfr ibid., VII, 62, p. 26). Catarina narra que, em 1429 – terceiro ano da sua conversão – vai confessar-se com um dos Frades Menores por ela estimados, faz uma boa Confissão e reza intensamente para que o Senhor lhe dê o perdão de todos os pecados e da pena a eles vinculada. Deus revela-lhe em visão que lhe perdoou por completo. É uma experiência muito forte da misericórdia divina, que a marca para sempre, dando-lhe um novo impulso para responder com generosidade ao imenso amor de Deus (cf, ibid., IX, 2, p. 46-48).

Em 1431, tem uma visão do juízo final. A terrível cena dos condenados a leva a intensificar orações e penitência pela salvação dos pecadores. O demônio continua a assaltá-la e ela se confia de modo sempre mais completo ao Senhor e à Virgem Maria (cf. ibid., X, 3, p. 53-54). Nos escritos, Catarina nos deixa algumas notas essenciais desse misterioso combate, do qual sai vitoriosa com a graça de Deus. Fá-lo para instruir as suas irmãs e aquele que pretendem encaminhar-se à via da perfeição: desejou alertar sobre as tentações do demônio, que se esconde frequentemente atrás de aparências enganadoras, para depois insinuar dúvidas de fé, incertezas vocacionais, sensualidade.

No tratado autobiográfico e didático, 
As sete armas espirituais, Catarina oferece, a esse respeito, ensinamentos de grande sabedoria e profundo discernimento. Fala em terceira pessoa ao relatar as graças extraordinárias que o Senhor lhe concedeu e em primeira pessoa ao confessar os próprios pecados. Do seu escrito transparece a pureza da sua fé em Deus, a profunda humildade, a simplicidade do coração, o ardor missionário, a paixão pela salvação das almas. Elenca sete armas na luta contra o mal, contra o diabo: 1. ter cuidado e preocupação de trabalhar sempre para o bem; 2. crer que, sozinhos, nunca poderemos fazer nada de verdadeiramente bom; 3. confiar em Deus e, por seu amor, não temer nunca a batalha contra o mal, seja no mundo, seja em nós mesmos; 4. meditar com frequência nos eventos e palavras da vida de Jesus, sobretudo sua Paixão e Morte; 5. recordar-se que devemos morrer; 6. ter fixa na mente a memória dos bens do Paraíso; 7. ter familiaridade com a Sagrada Escritura, levando-a sempre no coração para que oriente todos os pensamentos e todas as ações. Um belo programa de vida espiritual, também hoje, para cada um de nós!

No convento, Catarina, apesar de ser habituada à corte de Ferrara, cumpre as funções de lavadeira, costureira, padeira e é empregada no cuidado de animais. Faz tudo, também os serviços mais humildes, com amor e pronta obediência, oferecendo às irmãs um testemunho luminoso. Ela vê, de fato, na desobediência aquele orgulho espiritual que destrói toda outra virtude. Por obediência, aceita o encargo de mestra de noviças, embora se considere incapaz de desenvolver o encargo, e Deus continua a animá-la com a sua presença e seus dons: é, de fato, uma mestre sábia e apreciada.

Em seguida, é lhe confiado o serviço do parlatório. Custa-lhe muito interromper com frequência a oração para responder às pessoas que se apresentam ao mosteiro, mas também dessa vez o Senhor não deixa de visitá-la e ser-lhe próximo. Com ela, o mosteiro é sempre mais um lugar de oração, de oferta, de silêncio, de fadiga e alegria. À morte da abadessa, os superiores pensam subitamente nela, mas Catarina lhes convence a destinar-se às Clarissas de Mantua, mais instruídas nas constituições e nas observâncias religiosas. Poucos anos depois, em 1456, ao seu mosteiro é pedido que crie uma nova fundação em Bolonha. Catarina preferiria terminar seus dias em Ferrara, mas o Senhor lhe aparece e exorta a aceitar a vontade de Deus indo a Bolonha como abadessa. Prepara-se para a nova missão com jejuns, disciplina e penitência. Parte para Bolonha com dezoito irmãs. Como superiora, é a primeira na oração e no serviço; vive em profunda humildade e pobreza. Ao terminar do trênio de abadessa, é feliz por ser substituída, mas, após um ano, retoma as suas funções, porque a nova eleita fica cega. Apesar de sofrer e com graves enfermidades que a atormentam, realiza seu serviço com generosidade e dedicação.

Ainda por um ano exorta as irmãs à vida evangélica, à paciência e à constância nas provações, ao amor fraterno, à união com o Esposo divino, Jesus, para preparar, assim, o próprio dote para as núpcias eternas. Um dote que Catarina vê no saber compartilhar os sofrimentos de Cristo, afrontando, com serenidade, desconforto, angústia, desprezo, incompreensão (cf. Le sette armi spirituali, X, 20, p. 57-58). No início de 1463, as enfermidades se agravam; reúne-se com as irmãs em Capítulo pela última vez, para anunciar a sua morte e recomendar a observância da regra. Até o final de fevereiro é tomada de fortes sofrimentos que não a deixam mais, mas é ela quem conforta as irmãs na dor, assegurando-lhes seu auxílio também do Céu. Após ter recebido os últimos Sacramentos, entrega ao confessor o escrito Le sette armi spirituali e entra em agonia; o seu rosto fica belo e luminoso; olha ainda com amor quantos a circundam e morre docemente, pronunciando três vezes o nome de Jesus: é 9 de março de 1463 (cfr I. Bembo, Specchio di illuminazione. Vita di S. Caterina a Bologna, Firenze 2001, cap. III). Catarina será canonizada pelo Papa Clemente XI em 22 de maio de 1712. A cidade de Bolonha, na capela do mosteiro de Corpus Domini, preserva o seu corpo incorrupto.

Queridos amigos, Santa Catarina de Bolonha, com as suas palavras e vida, é um forte convite a deixarmo-nos sempre guiar por Deus, a cumprir cotidianamente a sua vontade, também se muitas vezes ela não corresponde aos nossos projetos, a confiar na sua Providência, que nunca nos deixa sozinhos. Nessa perspectiva, Santa Catarina fala conosco; da distância de tantos séculos, é, todavia, muito moderna e fala á nossa vida. Assim como nós, sofre as tentações da incredulidade, da sensualidade, de um combate difícil, espiritual. Sente-se abandonada por Deus, encontra-se na escuridão da fé. Mas, em todas essas situações, tem sempre a mão do Senhor, não O deixa, não O abandona. E caminhando com a mão na mão do Senhor, anda sobre a via justa e encontra o caminho da luz. Assim, diz também a nós: coragem, também na noite da fé, também em meio a tantas dúvidas que possam existir, não deixa a mão do Senhor, caminha com a tua mão na Sua mão, crê na bondade de Deus; assim, andarás sobre a estrada justa! E desejo sublinhar um outro aspecto, aquele da sua grande humildade: é uma pessoa que não desejou ser alguém ou qualquer coisa; não desejou aparecer; não desejou governar. Desejou servir, fazer a vontade de Deus, estar ao serviço dos outros. E, exatamente por isso, Catarina era credível na autoridade, porque se podia ver que, para ela, a autoridade era exatamente servir aos outros. Peçamos a Deus, por intercessão da nossa Santa, o dom de realizar o projeto que Ele tem para nós, com coragem e generosidade, para que somente Ele seja a rocha firme sobre a qual se edifica a nossa vida. Obrigado.



terça-feira, 28 de dezembro de 2010

As lágrimas de São Pedro.


Pedro se entristeceu

Uma das cenas mais tocantes do relato evangélico sobre as aparições de Jesus ressuscitado é a do diálogo que Cristo manteve com Pedro, enquanto caminhavam à beira do lago de Tiberíades (João, 21, 15 ss.).

Sete dos discípulos de Jesus – conta São João –, enquanto esperavam na Galiléia o encontro que Cristo marcara lá com eles (cf. Mc 16,7), foram pescar no lago, como tantas vezes o haviam feito em anos anteriores. Naquela noite, porém, nada apanharam. Começavam a voltar para a praia, quando avistaram, na vaga luz do amanhecer, uma figura imprecisa. Não é agora o momento de comentar com detalhe toda essa belíssima passagem do Evangelho, que ocupa todo o capítulo 21 de São João. Baste-nos lembrar que a “figura” avistada era Jesus, que Cristo se dirigiu logo a eles com afeto, orientou-lhes a pesca e realizou um milagre; depois, tomou com eles, sentados na praia, uma refeição de peixe assado e pão, e lhes inundou o coração de ternura e alegria.

Lançai as redes.
Porque tu me mandas, lançarei as redes.

Tendo eles comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes? Respondeu ele: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”… Três vezes repetiu essa pergunta amorosa. Podemos imaginar os sentimentos de Pedro, que por três vezes tinha negado Jesus durante a Paixão. O apóstolo, com certeza, não esperava essas palavras. Talvez aguardasse apenas uma manifestação explícita de que, apesar de seu grave pecado, nosso Senhor já o perdoara. Jesus, porém, lembrou-lhe indiretamente, delicadamente, suas três negações. Se mexeu, porém, de leve na sua ferida, foi apenas para ungi-la com o bálsamo do carinho e da esperança.

Não há dúvida de que a pergunta de Jesus – os três pedidos de amor e a confiança com que o confirmou em sua missão – trouxe à memória de Pedro aqueles momentos amargos da Paixão em que negara uma e outra vez conhecer Cristo e declarara enfaticamente nada querer saber dele. Como lhe doeu logo na alma ter sido tão covarde, tão egoísta, capaz de renegar Jesus e até de falar mal dele, para salvar a sua própria pele.

Eu neguei meu mestre...

Naquela noite triste, Cristo estava no pátio da casa do sumo sacerdote, preso, manietado, com as faces roxas de pancadas e sujas de escarros e a alma dilacerada por insultos e calúnias, e muito precisado de carinho, de consolo, de amizade… E foi justamente nessa noite Pedro o rejeitou, negou conhecê-lo e disse não ter nada com ele. Mas, ao mesmo tempo, foi uma noite muito bonita. É comovente lembrar que, depois da terceira negação, quando o galo já havia cantado – como Jesus predissera –, diz são Lucas que, voltando-se o Senhor, olhou para Pedro. Então Pedro lembrou-se da palavra do Senhor: ”Hoje, antes que o galo cante, me negarás três vezes”. E, saindo fora, chorou amargamente (Lc 22,62).

Pobre Pedro! Como deve ter sido aquele olhar de Jesus sofredor! Nele não houve nada de recriminação, nada de ressentimento. Apenas estava dizendo a Pedro com os olhos: “Eu te amei com predileção e, apesar de tudo o que acabas de fazer, continuo a amar-te, pobre amigo, pobre filho meu”. Era um olhar de misericórdia, que é a expressão mais bela e profunda do amor que Deus nos tem, “amor mais forte do que a morte –diz João Paulo II -, mais forte do que o pecado”. E ainda acrescenta: “São infinitas a prontidão e a força do perdão de Deus. Nenhum pecado humano prevalece sobre esta força e nem sequer a limita” (Enc. Dives in misericordia, n. 83).

Será que percebemos a enorme fonte de confiança, a inesgotável fonte de esperança que é, para o pecador – para todos nós, que somos pecadores -, a misericórdia de Deus? É tão imensa, tão incrível, que nos desarma.

Ameite até o fim!
Olhar de Amor
Pois bem. Foi isso o que aconteceu com Pedro depois daquele olhar de Jesus. Lembrou-se então, com certeza, do momento em que Jesus o escolhera para ser seu Apóstolo, o chefe dos Apóstolos, a pedra fundamental da sua Igreja (cf. Jo 1,40-42). Lembrou-se do imenso oceano de cuidados, compreensão, afeto, paciência, ensinamentos e ajudas que Jesus lhe havia dispensado ao longo dos três anos em que tinham andado juntos; compreendeu que tinha sido objeto de um carinho imenso, que, mesmo que quisesse, não teria como pagar…
E, naquela noite de dores, Jesus lhe pagava o pecado, não com um castigo, nem sequer com um olhar de censura ou de rejeição, mas com aquele olhar acolhedor e afetuoso. Por isso, Pedro, saindo fora, chorou, chorou transtornado de pena, chorou desfeito perante a misericórdia de Cristo… Dizem que, durante anos, ainda se lhe notava na face a vermelhidão causada por tantas lágrimas.
Chorei amargamente...
chorei amargamente...

Eram lágrimas de amor ardente. Houve outro Apóstolo, que, nas horas da Paixão, também negou, traiu, e se arrependeu – Judas –, mas chorou só de remorso e de raiva, do horror insuportável que lhe causava perceber o pecado que tinha cometido. Pequei, entregando o sangue de um justo (Mt 27,4) – gritou; mas não lhe adiantou nada. Não soube confiar na misericórdia de Deus, não foi capaz de acreditar na misericórdia divina, “que – como diz o Papa João Paulo II – sabe tirar o bem de todas as formas do mal existente no homem e no mundo” (Enc. Dives in miseriordia, n.44). Judas Iscariotes desesperou-se, jogou então no templo as moedas de prata, saiu e foi enforcar-se (Mt 27,5). Poderia ter sido um grande santo, se tivesse compreendido o coração de Jesus, se tivesse sido humilde…!

Reflexos da misericórdia de Deus:

Mas voltemos àquela conversa a sós de Jesus ressuscitado com Pedro, à beira do lago, pois ela nos sugere outras coisas belíssimas, além das que já meditamos.

Para isso, será bom recordar a cena completa: Tendo eles comido, perguntou Jesus a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?” Respondeu ele: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. Disse-lhe Jesus: “Apascenta os meus cordeiros”. Perguntou-lhe outra vez: “Simão, filho de João, tu me amas?” Respondeu-lhe: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. Disse-lhe Jesus: “Apascenta os meus cordeiros”. Perguntou-lhe pela terceira vez: “Tu me amas?” Pedro entristeceu-se porque lhe perguntou pela terceira vez: “Tu me amas?”, e respondeu-lhe: “Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo”. Disse-lhe Jesus: “Apascenta as minhas ovelhas”.

Que vemos aí? Que verdades sobre Cristo nos mostra esse trecho do Evangelho? São coisas difíceis de expressar, ainda que sejam coisas muito simples. Todas elas são reflexos da misericórdia de Deus:

– Por um lado, Jesus ajuda Pedro a apagar os seus três pecados com três atos de amor.

– Em segundo lugar, Jesus faz ver a Pedro que, apesar do seu pecado, o considera capaz de ser muito santo, de amar mais do que todos estes, mais do que ninguém. Que confiança!

– Terceiro: em vez de depor Pedro do seu cargo de Pastor e chefe da Igreja, por ter caído tão baixo, Jesus faz questão de confirmá-lo na autoridade que lhe havia conferido, para que fosse o primeiro entre todos os Apóstolos (Cf. Mt 16,18-19). Como vemos, Jesus confirma-o na função de pastor dos cordeiros e pastor das ovelhas, ou seja, pastor dos pastores e pastor do povo fiel, de todo o seu rebanho, que é a Igreja.

Todos esses “reflexos da misericórdia” nos falam da esperança que deve animar a nossa vida de filhos de Deus. O primeiro e o segundo “reflexo” falam sobretudo da confiança que Jesus tem em nós, na nossa capacidade de nos recuperarmos, por mais que tenhamos sido e sejamos pecadores; e também da alegria que Deus “experimenta” quando um pecador – por mais “trapo sujo” que seja – se volta para Ele, arrependido e com amor.

Há um poeta católico francês, Charles Péguy, que captou muito bem a beleza deslumbrante da misericórdia e da esperança que ela suscita. Vale a pena lembrar o seguinte trecho de um de seus poemas?

“Deus pôs a sua esperança em nós. Foi Ele que começou. Ele esperou que o último dos pecadores,

que o mais ínfimo dos pecadores, fizesse pelo menos algum pequeno esforço pela sua salvação,

por pouco, por pobremente que se esforçasse,

que se ocupasse ao menos um pouco disso.

Ele esperou em nós. Virá a ser dito que nós não esperamos nele?

Deus depositou a sua esperança, a sua “pobre” esperança em cada um de nós, no mais ínfimo dos pecadores.

Virá a ser dito que nós, ínfimos, que nós, pecadores, vamos ser nós a não depositar a nossa esperança nele?

É essa riqueza do amor paternal de Deus a que se vê de forma tocante na parábola do filho pródigo. O filho menor abandona a casa paterna, comete pecado atrás de pecado, disparate atrás de disparate, e Jesus mostra-nos o seu pai, que simboliza Deus, encostado ao limiar da porta de casa, perscrutando o caminho, na esperança de ver um dia o filho voltar. E quando enxerga ao longe uma nuvenzinha de pó, o seu coração adivinha o retorno do filho, e quando já se aproxima aquele mendigo empoeirado, o pai já sabe que é ele, e, então, movido de compaixão, correu-lhe ao encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e o cobriu de beijos (Lc 15, 20). Bastou ao filho a boa vontade de arrepender-se, de voltar, de abrir o coração para dizer, com doída sinceridade: Pai, pequei contra o céu e contra ti… , para ser envolvido por todo o amor do pai.

Quem não sabe dizer pequei, esse não sabe dizer Pai! Porque só quem descobriu o amor de Pai que Deus nos tem pode dar-se conta de como lhe pagou mal tanto amor, de como o esqueceu, de como lhe desobedeceu, de como o ofendeu…., e então pode doer-se por amor, que é o verdadeiro arrependimento, a verdadeira contrição. Foi o sentimento que Pedro tinha no seu coração e que Jesus o ajudou a externar com palavras: Amas-me? –Amo-te…

Sem esse amor, infelizmente, nem chegamos a reconhecer os nossos pecados. Achamos uma desculpa para todos eles, a começar pela desculpa de dizer que nem sequer são pecados, que “eu não cometo pecados”, e assim fechamos o mal dentro da câmara escura do nosso coração e trancamos a porta à misericórdia de Deus, ao seu perdão.

Mais reflexos da misericórdia

Mas, como víamos, há um segundo ponto. Jesus, na praia, perguntou a Pedro: Amas-me mais do que estes? É o segundo ato de confiança de Jesus. O pecador que se arrepende de verdade, por amor, recebe a graça de Deus – normalmente mediante a confissão -, e, se corresponde a essa graça, pode chegar a uns cumes de santidade infinitamente maiores do que os abismos aonde se precipitou com o pecado. É o que aconteceu com Pedro, com Paulo, com Santo Agostinho e com tantos outros. E aí temos outro grande motivo de esperança.

Por isso, não tem o espírito cristão a pessoa que diz: “Eu já pequei tanto, caí tão fundo, fiz tantas barbaridades, que o máximo a que posso aspirar é a obter a duras penas o perdão de Deus e entrar no Céu por uma frestinha, como o último da fila, como o “patinho feio”, depois de ter ficado no purgatório até o fim do mundo…”. É uma maneira errada, nada cristã, de ver as coisas.

Isso está claro no caso de Pedro. Mas também fica patente na parábola do filho pródigo. Ao filho pecador que se arrepende, o pai cumula-o de tantos bens e tantas honras, envolve-o em tanta alegria, que provoca a inveja do irmão mais velho, trabalhador, honesto, mas egoísta e mesquinho. Convinha fazermos uma festa – retruca o pai -, pois este teu irmão estava morto, e reviveu; estava perdido, e foi achado (Lc 15,32). Este é o espírito de Jesus: Digo-vos que haverá mais júbilo no céu por um só pecador que fizer penitência do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento (Lc 15,7).

Sim. Este é o espírito de Jesus. Será que é o nosso? Nós confiamos assim? Somos capazes de arrepender-nos assim? Somos capazes de fazer penitência, por amor, e de mudar com alegria e de recomeçar com vibração? Cristo deixou-nos um meio fácil e acessível: o Sacramento da Penitência, a confissão. Dele diz o Papa João Paulo II, na encíclica que antes citávamos: “Neste Sacramento, todos podem experimentar, de modo singular, a misericórdia, isto é, aquele amor que é mais forte do que o pecado”.

E é também o Papa João Paulo II quem nos diz, com belas palavras: “A conversão a Deus consiste sempre na descoberta da sua misericórdia, do seu amor fiel até às últimas conseqüências. O autêntico conhecimento do Deus da misericórdia é a fonte constante e inexaurível de conversão” (Cf. Encíclica Dives in misericordia, nn. 44, 57, etc.)

Um último reflexo

Tu és Pedra...

Mas ainda nos resta dizer alguma coisa sobre o terceiro ponto. Jesus não só perdoa Pedro como o confirma naquela missão da máxima responsabilidade, que é ser o supremo Pastor da Igreja aqui na terra. Também aí a prova de confiança de Jesus é tão grande que dá à nossa esperança vibrações de alegria.

Eu penso que, aplicado a cada um de nós, isto nos diz: “Deus espera muito de você, por mais que a sua vida passada tenha sido um desastre. Não fique apontando baixo. Não coloque metas medíocres na sua vida cristã, na sua vida de intimidade com Deus, na sua oração, no seu apostolado, na sua dedicação ao bem material e espiritual dos seus irmãos. Seja audaz! Aponte muito alto, pois é aí, nas alturas, que Cristo – que o perdoou e voltará sempre a perdoar, se se arrepender – o espera”.

Aquele poeta antes citado contempla a vida dos filhos de Deus como um caminho ascendente, sempre subindo, sempre subindo, até chegar ao Céu. Ele imagina a fé, a esperança e a caridade como três irmãs, e diz que a esperança é a irmã menor, que parece fraquinha, mas que, na realidade, é a que arrasta com força irresistível as outras duas:

“No caminho ascendente, arenoso, incômodo,

na caminhada ascendente,

arrastada, pendurada dos braços das irmãs mais velhas,

que a levam pela mão,

a pequena esperança

avança.

E, no meio, entre as duas irmãs mais velhas, tem o ar de se deixar arrastar,

como uma menina que não tivesse forças para caminhar,

e que fosse arrastada pela estrada contra vontade.

Quando, na realidade, é ela que faz andar as outras duas,

E que as arrasta,

E que faz andar toda a gente,

E que a arrasta.

Força e grandeza da esperança cristã! É uma chama radiante que a ressurreição de Jesus faz arder no mais fundo do coração. O Papa diz que “Cristo ressuscitado é a encarnação definitiva da misericórdia, o seu sinal vivo”. Peçamos ao Senhor que, mesmo que tenhamos a desgraça de traí-lo muitas vezes, nos conceda a graça de não trairmos nunca a esperança, essa fabulosa esperança que Ele nos ganhou morrendo e ressuscitando, e que a nossa Mãe Maria, Mãe de misericórdia, nos ajude a mantê-la como um farol aceso.

Fonte: Fé, Verdade e Caridade.