Na criação existe a "assinatura" de Deus: trata-se de uma assinatura que o homem "pode e deve procurar descobrir e decifrar". Celebrando na manhã de 6 de Janeiro a missa da Epifania do Senhor na basílica de São Pedro, o Sumo Pontífice repropôs os sinais e o sentido do caminho que há dois mil anos levou os Magos a seguir a estrela para encontrar o Messias.
Prezados irmãos e irmãs!
Na solenidade da Epifania, a Igreja continua a contemplar e a celebrar o mistério do nascimento de Jesus Salvador. Em particular, a celebração hodierna sublinha o destino e o significado universais deste nascimento. Fazendo-se homem no seio de Maria, o Filho de Deus veio não só para o povo de Israel, representado pelos pastores de Belém, mas também para a humanidade inteira, representada pelos Magos. E é precisamente a respeito dos Magos e do seu caminho em busca do Messias (cf. Mt 2, 1-12) que hoje a Igreja nos convida a meditar e a rezar. No Evangelho ouvimos que eles, tendo chegado a Jerusalém provenientes do Oriente, perguntam: "Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo" (v. 2). Que tipo de pessoas eram, e que espécie de estrela era aquela? Eles eram, provavelmente, sábios que perscrutavam o céu, mas não para procurar "ler" o futuro nos astros, eventualmente para obter disto um lucro; eram sobretudo homens "à procura" de algo mais, em busca da verdadeira luz, que seja capaz de indicar o caminho a percorrer na vida. Eram pessoas convictas de que na criação existe aquela que poderíamos definir como a "assinatura" de Deus, uma assinatura que o homem pode e deve procurar descobrir e decifrar. Talvez o modo para conhecer melhor estes Magos e compreender o seu desejo de se deixar guiar pelos sinais de Deus consista em deter-nos para considerar aquilo que eles encontram ao longo do seu caminho, na grande cidade de Jerusalém.
Em primeiro lugar, encontraram o rei Herodes. Certamente, ele estava interessado no menino de que os Magos falavam; no entanto, não com a finalidade de o adorar, como quer fazer entender, mentindo, mas sim para o suprimir. Herodes é um homem de poder, que no próximo só consegue ver um rival para combater. No fundo, se meditarmos bem, até Deus lhe parece um rival, aliás, um rival particularmente perigoso, que gostaria de privar os homens do seu espaço vital, da sua autonomia, do seu poder; um rival que indica o caminho a percorrer na vida, e assim impede que se realize tudo o que se deseja. Herodes ouve dos seus peritos nas Sagradas Escrituras, as palavras do profeta Miqueias (cf. 5, 1), mas o seu único pensamento é o trono. Então, o próprio Deus deve ser ofuscado e as pessoas devem reduzir-se a ser simples peças para mover no grande tabuleiro do poder. Herodes é uma figura que não nos é simpática e que, instintivamente, julgamos de modo negativo pela sua brutalidade. Mas deveríamos perguntar-nos: existe, porventura, algo de Herodes também em nós? Acaso também nós, às vezes, vemos Deus como uma espécie de rival? Porventura também nós somos cegos diante dos seus sinais, surdos às suas palavras, porque pensamos que Ele impõe limites à nossa vida e não nos permite dispor da existência a nosso bel-prazer? Estimados irmãos e irmãs, quando vemos Deus deste modo, acabamos por nos sentir insatisfeitos e aborrecidos, porque não nos deixamos guiar por Aquele que está no fundamento de tudo. Temos que eliminar da nossa mente e do nosso coração a ideia da rivalidade, a ideia de que conceder espaço a Deus constitui um limite para nós mesmos; devemos abrir-nos à certeza de que Deus é o amor todo-poderoso que nada tira, não ameaça, aliás, é o Único capaz de nos oferecer a possibilidade de viver em plenitude, de sentir a verdadeira alegria.
Sucessivamente, os Magos encontram os estudiosos, os teólogos, os especialistas que sabem tudo sobre as Sagradas Escrituras, que conhecem as suas possíveis interpretações, que são capazes de citar de cor cada um dos seus trechos e que, por conseguinte, são uma ajuda preciosa para quem quer percorrer o caminho de Deus. Contudo, afirma santo Agostinho, eles gostam de ser guias para os outros, indicam a vereda mas não caminham, permanecem imóveis. Para eles, as Escrituras tornam-se uma espécie de atlas a ler com curiosidade, um conjunto de palavras e de conceitos a examinar e sobre o qual debater com sabedoria. Mas, novamente, podemos interrogar-nos: não existe inclusive em nós a tentação de considerar as Sagradas Escrituras, este tesouro extremamente rico e vital para a fé da Igreja, mais como um objecto para o estudo e o debate dos especialistas, do que o Livro que nos indica o caminho para alcançar a vida? Na minha opinião, como indiquei na Exortação Apostólica Verbum Domini, deveria surgir sempre de novo em nós a profunda disposição a considerar a palavra da Bíblia, lida na Tradição viva da Igreja (cf. n. 18), como a verdade que nos diz o que é o homem, e como pode ele realizar-se plenamente, a verdade que é a senda a percorrer no dia-a-dia, juntamente com os demais, se quisermos construir a nossa existência sobre a rocha, e não sobre a areia.
E agora consideremos a estrela. Que tipo de estrela era aquela que os Magos viram e seguiram? Ao longo dos séculos, esta pergunta foi objecto de debate entre os astrónomos. Kepler, por exemplo, considerava que se tratasse de uma "nova", ou de uma "supernova", ou seja, de uma daquelas estrelas que normalmente emanam uma luz ténue mas que, de repente, podem ter uma violenta explosão interna, que produz uma luz extraordinária. Sem dúvida, coisas interessantes, mas que não nos orientam rumo àquilo que é essencial para compreendemos esta estrela. Temos que remontar ao facto de que aqueles homens buscavam os vestígios de Deus; procuravam ler a sua "assinatura" na criação; sabiam que "narram os céus a glória de Deus" (Sl 19 [18], 2); isto é, estavam persuadidos de que Deus pode ser vislumbrado na criação. No entanto, como homens sábios, estavam conscientes também de que não é com um telescópio qualquer, mas com os profundos olhos da razão em busca do sentido último da realidade, e com o desejo de Deus impelido pela fé, que é possível encontrá-lo, aliás, que se torna possível que Deus se aproxime de nós. O universo não é o resultado do caso, como alguns querem fazer-nos crer. Contemplando-o, somos convidados a ler nele algo de profundo: a sabedoria do Criador, a fantasia inesgotável de Deus, o seu amor infinito por nós. Não deveríamos deixar limitar a nossa mente por teorias que chegam apenas a um certo ponto e que - se olharmos bem - não estão de modo algum em concorrência com a fé, mas não conseguem explicar o sentido derradeiro da realidade. Na beleza do mundo, no seu mistério, na sua grandeza e na sua racionalidade não podemos deixar de ler a racionalidade eterna, e não podemos deixar de nos fazer guiar por ela até ao único Deus, Criador do céu e da terra. Se tivermos este olhar, veremos que Aquele que criou o mundo e Aquele que nasceu numa gruta em Belém e continua a habitar no meio de nós na Eucaristia são o único Deus vivo, que nos interpela, nos ama e quer conduzir-nos para a vida eterna.
Herodes, os especialistas das Escrituras, a estrela. Mas sigamos o caminho dos Magos, que chegam a Jerusalém. Em cima da grande cidade, a estrela desaparece, já não se vê. O que signfica? Também neste caso, temos que ler o sinal em profundidade. Para aqueles homens, era lógico procurar o novo rei no palácio real, onde se encontravam os sábios conselheiros da corte. Mas, provavelmente para sua surpresa, tiveram que constatar que aquele recém-nascido não se encontrava nos postos do poder e da cultura, embora naqueles lugares lhes tenham sido oferecidas informações preciosas acerca dele. Ao contrário, deram-se conta de que por vezes o poder, inclusive o do conhecimento, impede o caminho rumo ao encontro com aquele Menino. Então, a estrela orientou-os para Belém, uma pequena cidade; guiou-os entre os pobres, entre os humildes, para encontrar o Rei do mundo. Os critérios de Deus são diferentes dos critérios dos homens; Deus não se manifesta no poder deste mundo, mas sim na humildade do seu amor, daquele amor que pede à nossa liberdade para ser recebido para nos transformar e nos tornar capazes de chegar Àquele que é o Amor. Mas também para nós, as coisas não são tão diferentes de como eram para os Magos. Se nos fosse pedido o nosso parecer sobre a forma como Deus deveria ter salvo o mundo, talvez respondêssemos que devia manifestar todo o seu poder para conceder ao mundo um sistema económico mais justo, no qual cada um pudesse dispor de tudo o que quer. Na realidade, esta seria uma espécie de violência sobre o homem, porque o privaria de elementos fundamentais que o caracterizam. Com efeito, não seriam interpelados a nossa liberdade, nem o nosso amor. O poder de Deus manifesta-se de modo totalmente diferente: em Belém, onde encontramos a aparente impotência do seu amor. E é ali que nós devemos ir, é lá que havemos de encontrar a estrela de Deus.
Assim, parece-nos bem claro também um último elemento importante da vicissitude dos Magos: a linguagem da criação permite-nos percorrer um bom trecho de caminho rumo a Deus, mas não nos concede a luz definitiva. No final, para os Magos era indispensável ouvir a voz das Sagradas Escrituras: unicamente elas podiam indicar-lhes o caminho. A Palavra de Deus é a verdadeira estrela que, na incerteza dos discursos humanos, nos oferece o imenso esplendor da verdade divina. Caros irmãos e irmãs, deixemo-nos guiar pela estrela, que é a Palavra de Deus; sigamo-la na nossa vida, caminhando com a Igreja, onde a Palavra armou a sua tenda. A nossa senda será sempre iluminada por uma luz que sinal algum nos pode oferecer. E também nós poderemos tornar-nos estrelas para os outros, reflexo daquela luz que Cristo fez resplandecer sobre nós. Amém.
Venho através de este partilhar anseios de minha pobre vida e também formações sobre a Igreja de nosso senhor Jesus Cristo.
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
Os sinais da Epifania explicados por Bento XVI na missa celebrada na basílica de São Pedro "O caminho dos magos"
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Michel Maria